Nasci em uma cidade pequena, cidadezinha do interior. Pequena, mas não desconhecida. Diziam: "de lá, não vem nada de bom!" Para piorar as coisas, minha mãe me concebeu antes de se casar. Mãe solteira, que vergonha! O que fez mamãe fugir para casa de parentes distantes durante a gravidez.
Mas fugia de que?! Olhares maldosos, palavras felinas, pedras, que parentes, amigos e vizinhos poderiam lhe atirar. Mamãe só retornou à nossa cidade, quando papai resolveu se casar. Ele demorou a se decidir, era comerciante conhecido, teve medo que a má fama prejudicassem os negócios.
Já nasci sentenciado, um filho de ninguém. Um filho só de mãe.
Meu nascimento foi estranho, nasci em meio a uma viagem. Casas, hotéis, ninguém pode nos abrigar. As cidades estavam cheias. Por pouco mamãe não deu à luz na rua.
Eu me sentia estranho. Desde a minha chegada tudo mudou. Vivíamos fugindo, com medo, escondidos. Nem me lembro quando voltamos a nossa cidade.
Vivi a minha infância, adolescência e juventude como uma criança normal. Seria mais normal se mamãe não guardasse tanto cuidado comigo. O que faziam com que eu fosse motivo de piadas entre colegas. Com poucos amigos, me restavam os mendigos e os doentes daquela pequena cidade, este sim sabiam viver. Embora excluídos e abandonados não perdiam a força de vontade. Um dia após o outro, e a vida era vencida.
Me apeguei a religião como forma de amenizar a dor e o deslocamento social que sentia. Estudava tanto, que podia debater com um professor. Embora autodidata, me viam como inferior.
Por reconhecer a dor da existência, minhas palavras atingiam a alma. Então os cansados e sobrecarregados passaram a me procurar. Nos montes e nas praias ficou difícil me ocultar. O filho do comerciante, amigo de pecadores e prostitutas, comilão e bebedor de vinho, que anda com doentes e excluídos. Isso sim era fama, da inexistência a existência, a vida começou a mudar.
Na religião que outrora me preenchia, a inveja começou brotar. Da multidão, amores, desejos, milagres, perseguição. Pelos que me procuravam como Rei, do dia para a noite, fui declarado ladrão.
Crucifica, crucifica, aclamaram com paixão. Fizeram da morte minha amiga e para o mundo a solução. E todo o temor que rondou a minha vida agora se apoderava de minha alma. Me senti sozinho, sem rumo, sem razão, sem Deus,
Caminhei por algumas horas carregando o peso de toda minha vida, e sentia também o peso de todo o mundo, principalmente daqueles que sem causa me odiaram. Eu, um simples homem, sem atrativo ou formosura, contado com os rejeitados, feitos amigo dos marginalizados, e por isso castigado.
Meu crime: "Me humanizar e amar".
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