Para quem é um leitor assíduo dos textos bíblicos, tem senso crítico e é experimentado na realidade da condição humana, não precisará forçar demais a memória para se lembrar de algumas situações relatadas nas escrituras e, perceber que os autores bíblicos não tiveram nenhum tipo de pudor em seus relatos. Podemos, assim entender, que não é necessário olhar pelo buraco da fechadura para conhecer com os santos homens de Deus agiam em sua intimidade sexual, pois até mesmo suas depravações estão exposta da forma mais escancarada possível.
Desta forma, a acusação que recai sobre o público homoafetivo de depravação sexual, moral e de seu instinto impetuoso para a destruição da família tradicional, quando confrontada com estes relatos perde completamente a força e o sentido de ser. E entender estes relatos como parte da experiência humana - com seus erros e acertos - lança luz à questão, pois ambos, héteros e homossexuais estão sujeitos a falibilidade humana e, a consciência disso, especialmente para quem tem dificuldade em acreditar que homossexuais nascem assim, pode ajudar na formatação de uma teologia menos inescrupulosa ao público homoafetivo.
De Abraão à mulher pega em adultério, o que as escrituras querem nos mostrar é que, na experiência humana não há ninguém que esteja no patamar de anjos, assexuados e imune à libido e desejos, embora utilizem-se da história de José (Gn 39) que fugiu antes que cedesse as investidas da esposa de Potifar, para exaltar um padrão de castidade que destoa - embora tenha seu valor - de todas as outras histórias bíblicas.
O que lemos nas escrituras - com todo o respeito - e longe de uma comparação leviana, são relatos sexuais que, se tirados do contexto, poderiam estar na internet em blogs ou páginas de contos sexuais, em uma lista singela temos relatados de bigamia, poligamia, incestos, estupro, adultério e não poucos casos de sedução sexual por motivos distantes do amor romântico dos livros de Nicholas Sparks. O que é digno de ressaltar é que alguns destes relatos envolvem crimes cruéis como no caso de Davi, que para acobertar seu adultério, arquiteta um plano maquiavélico, para assassinar Urias, o marido de Bateseba e como o de Abraão que manda embora, no meio do nada, sua concubina e o filho, fruto do adultério do patriarca.
E é de se admirar que alguns pastores e deputados da bancada evangélica ao destacar a luta - legítima - pelo direito civil homoafetivo como uma guerra para a destruição da familia, se esquecem destas importantes e simples constatações.
Me questiono se sua tendência a ignorar tudo isto, é o fato deles terem sido feitos em prol da família tradicional?
Anda hoje apenas os homossexuais são rotulados de promíscuos, pervertidos, vinculados à pedofilia, considerados grupo de risco para doação de sangue e transmissões de doenças sexuais e imoralidades em geral. Se esquecem que as maiores vitimas do vírus HIV são mulheres heterossexuais que receberam o vírus de seus maridos; outro dado importante é que em estudo realizado por uma Universidade dos Estados Unidos que analisou 269 casos de abuso infantil constatou que, em 82% dos casos, a iniciativa partiu de adultos heterossexuais. Porém, isso parece não ter grande importância, bem como os textos bíblicos, quando o tema é impedir que homossexuais tenham seus direitos estabelecidos, mesmo que sob pretextos duvidosos.
Quem acusa e difama as uniões homoafetivas como promíscuas e uma afronta a sacralidade da família, utilizam-se de tão poucos textos bíblicos mas conseguem fazer um estardalhaço tão grande, e o que não percebem é que, em toda a escritura não há relato algum de algum homossexual se infiltrando no seio da família de um dos heróis da fé, seduzindo-o com o objetivo de causar sua destruição. O que vemos na realidade são homens e mulheres - sujeitos às mesmas paixões que nós - dando lugar a suas cobiças, luxúrias e promiscuidades e vivenciando ou não as consequências de seus atos.
E depois, o pervertido sou eu, que casei com meu primeiro namorado e fui ter minha primeira relação sexual após os 30 anos.