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terça-feira, 26 de novembro de 2013

O POEMA DO SEMELHANTE - Elisa Lucinda

O Deus da parecença que nos costura em igualdade
que nos papel-carboniza em sentimento
que nos pluraliza, que nos banaliza
por baixo e por dentro,
foi este Deus que deu destino aos meus versos,

Foi Ele quem arrancou deles a roupa de indivíduo
e deu-lhes outra de individuo ainda maior, embora mais justa.

Me assusta e acalma ser portadora de várias almas
de um só som comum eco, ser reverberante
espelho, semelhante, ser a boca
ser a dona da palavra sem dono de tanto dono que tem.

Esse Deus sabe que alguém é apenas o singular da palavra multidão
É mundão, todo mundo beija, todo mundo almeja, todo mundo deseja, todo mundo chora
alguns por dentro, alguns por fora, alguém sempre chega, alguém sempre demora.

O Deus que cuida do não-desperdício dos poetas
deu-me essa festa de similitude
bateu-me no peito do meu amigo

encostou-me a ele em atitude de verso beijo e umbigos,
extirpou de mim o exclusivo:
a solidão da bravura, a solidão do medo, a solidão da usura
a solidão da coragem, a solidão da bobagem, a solidão da virtude
a solidão da viagem, a solidão do erro, a solidão do sexo
a solidão do zelo, a solidão do nexo.

O Deus soprador de carmas deu de eu ser parecida
Aparecida, santa, puta, criança
deu de me fazer diferente
pra que eu provasse da alegria de ser igual a toda gente

Esse Deus deu coletivo ao meu particular
sem eu nem reclamar
Foi Ele, o Deus da par-essência
O Deus da essência par.

Não fosse a inteligência da semelhança
seria só o meu amor
seria só a minha dor
bobinha e sem bonança
seria sozinha minha esperança.
 

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